terça-feira, 20 de março de 2018

Uma perspectiva da ética e do compliance no cotidiano das organizações



Após quase duas décadas atuando em grandes corporações, das quais 95% dedicadas a áreas responsáveis pelo fortalecimento da marca, da transparência na gestão e principalmente da ética no relacionamento com os principais stakeholders da organização, constato que pouco entendo da dinâmica real destes temas em sua complexa rede de processos e tomada de decisão.
De fato, vivenciamos nos últimos anos diversos exemplos, especialmente em nosso País, de como uma organização ao agir em desacordo com as leis e as normas pode não somente exterminar sua própria existência, mas também levar consigo ladeira a baixo todo um setor de atividade produtiva e a economia de uma nação. Neste contexto evidencia-se a necessidade premente da existência de controles e de uma real gestão de potenciais riscos à ação íntegra dos representantes das empresas, no que se refere ao cumprimento das leis e normas internas que resguardem os valores e imagem da organização.
No entanto, nos últimos meses, tenho colocado a prova meus conhecimentos relacionados ao “estar” dentro das leis e normas em sua prática, e como a tomada de decisão entre o que é ou não correto, em quase a maioria das vezes fica sob a responsabilidade de “UM ser humano”.
Como descrito anteriormente, atuei em grandes empresas, diretamente ligada a ações que tinham como foco a sustentabilidade da organização e, portanto, a governança corporativa e a gestão de riscos eram a base estrutural dos meus desafios enquanto profissional. Neste meio, agora percebo, que não haviam dúvidas em relação à conduta a ser assumida. Fornecedores, colegas colaboradores e parceiros compartilhavam dos mesmos conhecimentos e crenças não deixando margem para qualquer comportamento que não garantisse a integridade do profissional, do ser humano e da imagem da organização.
Motivada por novos e desafiadores objetivos profissionais, há alguns meses assumi novos compromissos, totalmente diferentes do que antes estava habituada. Ampliei minha rede de relacionamento profissional, conhecendo a cada dia novas pessoas, parceiros e fornecedores que comungam um único foco: o fechamento de novos acordos comerciais e o ganho financeiro, seja por meio do próprio negócio ou por bônus atrelado à performance. Neste novo mundo, não poucas vezes fui colocada à prova, em situações comuns aos grupos envolvidos, quando recebia a oferta de presentes e favorecimento, que com certeza não teria acesso se estivesse em outra posição profissional.
O mais impressionante nesta dinâmica do setor, além dos favores e trocas serem comuns aos olhos de seus integrantes, foram momentos nos quais cheguei a duvidar da melhor conduta a ser tomada, sentindo-me como “um estranho no ninho”. Estranhamente, apeguei-me aos manuais e políticas da organização que represento, buscando as respostas à diferença de crenças que perpassavam por minhas reflexões. E, foi então, quando de fato percebi a aplicabilidade de todos os conceitos que estudei e que me apoiaram no desenvolvimento de políticas, diretrizes e códigos de conduta.
O contexto, o ambiente e o momento em que se vive influenciam a tomada de decisão de um profissional e são os valores arraigados e diretrizes fortemente estabelecidas e compartilhadas, somados a colaboradores aderentes à cultura organizacional que se tornam essenciais para garantir a integridade comportamental e dirimir possíveis dilemas éticos inerentes ao sentimento do ser humano em obter vantagens em detrimento do próximo ou mesmo da própria corporação. Um programa de compliance deve principalmente considerar o fator do humano, da pessoa e os ambientes, que enquanto representante da organização irá percorrer, desenvolvendo assim momentos de capacitação periódicos e de acompanhamento e monitoramento, com foco na realidade do dia-a-dia.
Durante estes anos de atuação no mundo corporativo, percebo o quanto os programas e políticas que tem como foco a integridade permanecem distantes de grande parte dos colaboradores e principalmente da média e alta liderança. Muito já foi realizado, porém ainda há um longo caminho para que o discurso passe a ser de fato a prática.




Cristiane S. Hirota PillibossianGraduada em Psicologia pela Universidade Mackenzie, Pós-graduada em Gestão de Projetos e Processos Organizacionais pelo IPEN - USP. Especialista em gestão para a sustentabilidade em ambientes corporativos


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