quarta-feira, 23 de maio de 2018

E por falar em crise: as turbulências de 1864 e 1875


Ontem estava lecionando em uma turma de MBA e por conta de uma pergunta, entramos numa discussão sobre a crise atual, que rapidamente derivou para “crises” no geral. Inicialmente tive certa dificuldade para tratar do assunto, pois tentei referenciar o debate nas experiências dos próprios alunos, entretanto logo percebi meu erro, já que a maioria deles nunca tinha passado por uma crise antes de agora.
Então, mudei o foco para uma visão histórica. Resolvi contar as histórias de nossas crises econômicas e tive a grata surpresa de perceber o interesse deles mas, ao mesmo tempo, certa tristeza pelo completo desconhecimento dos mais jovens sobre a história brasileira.
De toda maneira para não começar dos equívocos da carta de Caminha, resolvi iniciar a conversar com eles sobre a crise da segunda metade do século XIX. Abri o assunto falando do sucesso da economia cafeeira no Segundo Reinado, lembrando que graças ao café, de modo geral, a administração do Império manteve elevada as exportações brasileiras, cujo volume físico na primeira década do século cresceu em 214%. Mostrei, por exemplo, que em 1821 o café gerou a exportação de 129 mil sacas que saltaram para 1.383 mil sacas em 1840.
Porém o importante em nossa conversa foi apontar que para além dos volumes produzidos, na época o café possibilitou crescimento da renda, não só para a região cafeeira, como para o país como um todo. Assim, os anos de prosperidade econômica, ao estabelecer novas e bem-sucedidas condições econômicas, começam a criar novas relações sociais de produção que aos poucos se distanciavam das relações típicas da agricultura mercantil-escravista sendo, portanto, que inicia-se uma transformação que estimulou negócios urbanos no Brasil e, principalmente, a gradual implantação do trabalho assalariado em diversas regiões do país e nos mais diversos campos de atividades, inclusive na própria indústria de café, mormente, no oeste paulista.
O legal foi que a turma construiu a compreensão de que frente a essas novas condições, o país como um todo cresceu e diversas atividades ganharam robustez, entre elas aquelas ligadas à comercialização e mesmo as financeiras, o que fez expandir o poder econômico da burguesia urbana brasileira, ou seja, de pessoas que mantinham seus negócios sem vínculos diretos com a propriedade e a atividade rural.
Os lembrei também que associado a isso, o período é marcado por uma significativa tranquilidade política, sendo que o fim dos conflitos separatistas e a organização do parlamentarismo (mesmo que às avessas) foram os principais agentes dessa estabilidade.
O Barão de Mauá
Bem, apresentado o apogeu, expliquei o declínio e o início da crise como sendo provocada pela flutuação do preço internacional do café e, consequentemente, pelas quebras no comércio e na indústria. Observei que, em verdade, há várias interpretações sobre a origem daquela crise, contudo, me baseava na informação de que nos meses que antecederam setembro de 1864, o café havia caído 15 pontos nas Bolsas de Mercadoria de Londres e Nova Iorque e o açúcar, mais de 30. O câmbio, contudo, manteve-se estável para manter as remunerações, em mil-réis, do cafeicultor e que o governo definiu os limites do socorro tecnicamente possível de ser prestado pelo Banco do Brasil, sendo que algumas casas bancárias já o haviam ultrapassado. Uma delas, a Antônio José Alves Souto & Cia, das maiores e mais importantes do país, não pôde mais honrar os saques contra ela e fechou suas portas no dia 10 de setembro de 1864. Era, até ali, a maior crise econômica do Império e entrou para a história como a “quebra do Souto”.
De fato, a “quebra do Souto” foi o prenúncio de outras crises que viriam anos depois. Em maio de 1875, novamente se deteriora a situação financeira. O Banco Mauá-MacGregor entra em moratória, na sequência o Banco Nacional suspende os pagamentos, para finalmente o Banco Alemão também se ver obrigado a fechar as portas. Já que os bancos da época estavam ligados ou ao monopólio comercial (como era o caso da Casa Souto) ou ao esboço manufatureiro existente no país (como o Mauá-MacGregor), pode-se ter como certo que as crises de insolvência que se propagaram impactaram a totalidade da economia.
Tal momento de crise do séc XIX se agrava pela dificuldade da elite econômica cafeicultora tradicional que, durante décadas havia burlado com sucesso a situação de grande endividamento, precisava agora reduzir suas posições passivas, pois não tinham mais como se manter pela lógica de geração de valor no escravismo. Era o início do fim dos Barões do Café.
Em resumo, acabamos concluído que, seja por dimensões objetivas ou subjetivas, o efeito daquelas crises foi que um novo segmento da elite econômica assumiu e ergueu uma economia doméstica a qual se tipificou não só por um novo sistema de produção, mas também por um projeto modernizador para a sociedade brasileira.
Foi uma aula legal. Mas assim como no vôlei não se deixa de "cortar" bola levantada na rede, me permiti a pergunta, para qual estou aguardando a resposta deles: Que padrão de sociedade emergirá da crise que estamos vivendo?



Ronaldo Rangel é doutor em desenvolvimento econômico pela Unicamp, ex-professor-concursado da Unifesp - Universidade Federal de São Paulo e docente de programas lato sensu da FGV, UNICAMP e EPN.



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