Ontem estava lecionando em uma turma de MBA e por
conta de uma pergunta, entramos numa discussão sobre a crise atual, que
rapidamente derivou para “crises” no geral. Inicialmente tive certa dificuldade
para tratar do assunto, pois tentei referenciar o debate nas experiências dos
próprios alunos, entretanto logo percebi meu erro, já que a maioria deles nunca
tinha passado por uma crise antes de agora.
Então, mudei o foco para uma visão histórica. Resolvi
contar as histórias de nossas crises econômicas e tive a grata surpresa de
perceber o interesse deles mas, ao mesmo tempo, certa tristeza pelo completo
desconhecimento dos mais jovens sobre a história brasileira.
De toda maneira para não começar dos equívocos da
carta de Caminha, resolvi iniciar a conversar com eles sobre a crise da segunda metade do século
XIX. Abri o assunto falando do sucesso da economia cafeeira no Segundo Reinado,
lembrando que graças ao café, de modo geral, a administração do Império manteve
elevada as exportações brasileiras, cujo volume físico na primeira década do século
cresceu em 214%. Mostrei, por exemplo, que em 1821 o café gerou a exportação de
129 mil sacas que saltaram para 1.383 mil sacas em 1840.
Porém o importante em nossa conversa foi apontar
que para além dos volumes produzidos, na época o café possibilitou crescimento
da renda, não só para a região cafeeira, como para o país como um todo. Assim,
os anos de
prosperidade econômica, ao estabelecer novas e bem-sucedidas condições
econômicas, começam a criar novas relações sociais de produção que aos poucos
se distanciavam das relações típicas da agricultura
mercantil-escravista sendo, portanto, que inicia-se uma transformação que estimulou negócios urbanos
no Brasil e, principalmente, a gradual implantação do trabalho assalariado em
diversas regiões do país e nos mais diversos campos de atividades, inclusive na
própria indústria de café, mormente, no oeste paulista.
O legal foi que a turma construiu
a compreensão de que frente a essas novas condições, o país como um todo
cresceu e diversas atividades ganharam robustez, entre elas aquelas ligadas à
comercialização e mesmo as financeiras, o que fez expandir o poder econômico da burguesia
urbana brasileira, ou seja, de pessoas que mantinham seus negócios sem vínculos
diretos com a propriedade e a atividade rural.
Os lembrei
também que associado a isso, o período é marcado por uma
significativa tranquilidade política, sendo que o fim dos conflitos
separatistas e a organização do parlamentarismo (mesmo que às avessas) foram os
principais agentes dessa estabilidade.
O Barão de Mauá |
Bem, apresentado o apogeu,
expliquei o declínio e o início da crise como sendo provocada pela flutuação do
preço internacional do café e, consequentemente, pelas quebras no comércio e na
indústria. Observei
que, em verdade, há várias interpretações sobre a origem daquela crise,
contudo, me baseava na informação de que nos meses que antecederam setembro de
1864, o café havia caído 15 pontos nas Bolsas
de Mercadoria de Londres e Nova Iorque e o açúcar, mais de 30. O câmbio,
contudo, manteve-se estável para manter as remunerações, em mil-réis, do
cafeicultor e que o governo definiu os limites do socorro tecnicamente possível
de ser prestado pelo Banco do Brasil, sendo que algumas casas bancárias já o
haviam ultrapassado. Uma delas, a Antônio José Alves Souto & Cia, das
maiores e mais importantes do país, não pôde mais honrar os saques contra ela e
fechou suas portas no dia 10 de setembro de 1864. Era, até ali, a maior crise econômica
do Império e entrou para a história como a “quebra do Souto”.
De
fato, a “quebra do Souto” foi o prenúncio de outras crises que viriam anos
depois. Em maio de 1875, novamente se deteriora a situação financeira. O Banco
Mauá-MacGregor entra em moratória, na sequência o Banco Nacional suspende os
pagamentos, para finalmente o Banco Alemão também se ver obrigado a fechar as
portas. Já que os bancos da época estavam ligados ou ao monopólio comercial
(como era o caso da Casa Souto) ou ao esboço manufatureiro existente no país
(como o Mauá-MacGregor), pode-se ter como certo que as crises de insolvência que
se propagaram impactaram a totalidade da economia.
Tal
momento de crise do séc XIX se agrava pela dificuldade da elite econômica
cafeicultora tradicional que, durante décadas havia burlado com sucesso a
situação de grande endividamento, precisava agora reduzir suas posições
passivas, pois não tinham mais como se manter pela lógica de geração de valor no escravismo. Era o
início do fim dos Barões do Café.
Em resumo, acabamos concluído que, seja por dimensões objetivas ou
subjetivas, o efeito daquelas crises foi que um novo segmento da elite econômica
assumiu e ergueu uma economia doméstica a qual se tipificou não só por um novo sistema
de produção, mas também por um projeto modernizador para a
sociedade brasileira.
Foi uma aula legal. Mas assim como no vôlei não se deixa de "cortar" bola levantada na rede, me permiti a pergunta, para qual estou aguardando a resposta deles: Que padrão de sociedade emergirá
da crise que estamos vivendo?
Ronaldo Rangel é doutor em
desenvolvimento econômico pela Unicamp, ex-professor-concursado da Unifesp - Universidade
Federal de São Paulo e docente de programas lato sensu da FGV, UNICAMP e
EPN.
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