Nos últimos anos, tornou-se um lugar comum
dizer que o ambiente de negócios atual é de natureza VICA. Executivos que
participam de seminários são bombardeados por gurus de gestão que escrevem best-sellers alertando sobre os perigos
do ambiente VICA e a necessidade do desenvolvimento de novas habilidades e
competências tanto para a atividade organizacional quanto para os executivos.
O termo VICA (originalmente em inglês:
Volatility, Uncertainty, Complexity and Ambiguity) surge no início nos anos 2000
entre estudiosos norte-americanos de estratégia militar visando uma nova
doutrina para o cenário posterior ao final da Guerra Fria, para além da
bipolaridade norte-americana e soviética. O redesenho da estratégia militar
norte-americana necessitava de um novo olhar para os desafios de conflitos
assimétricos não mais entre grandes nações com exércitos organizados, mas sim
entre pequenos grupos coordenados de forma flexível com objetivos e táticas
difusas objetivando confrontos longos e incertos com resultados imprevisíveis
(Franke, 2011).
Em resumo, o termo VICA se relaciona a um
novo cenário político-militar onde a turbulência é o novo normal, tornando o
ambiente instável e incerto em demasia, beirando o caos (cf. Mack & Khare,
2016). Rapidamente, assim como se observa com outros conceitos da terminologia
militar como estratégia, o termo é
rapidamente absorvido pela literatura de gestão e começa a aparecer em
palestras, papers e livros no final
da primeira década do século XXI.
Torna-se necessário distinguir o seu
significado no âmbito do ambiente de negócios A primeira questão é entendê-lo
não como um fenômeno indiferenciado, um caos absoluto no ambiente de negócios.
Pelo contrário, deve-se identificar e isolar os seus elementos para que o
executivo tenha uma compreensão mais aprofundada de sua dinâmica de
funcionamento. Afinal, cada elemento possui características particulares e, por
extensão, formas distintas de enfrentar os seus desafios. Segundo Bennett &
Lemoine (2014),
“se o VICA é visto como genérico, inevitável e
insolúvel, os líderes não tomarão nenhuma ação e irão falhar na solução do
problema atual. Por outro lado, se os líderes equivocam-se na leitura do
ambiente e se preparam para o desafio errado, eles irão organizar mal os seus
recursos e falharão na tentativa de resolver o problema” (p. 312).
Para Bennett & Lemoine (2014) as
características do ambiente VICA podem assim ser resumidas:
● A volatilidade
é entendida com instabilidade e imprevisibilidade do ambiente. Não
necessariamente o ambiente volátil significa ausência de informação e falta de
compreensão, mas sua dinâmica se altera rapidamente evidenciando a precariedade
de qualquer tomada de decisão. Um dos exemplos recentes de volatilidade
ambiental pode ser vista nas Jornadas de Junho de 2013, onde as respostas dadas
pelos operadores políticos (governos municipais, estaduais e federal, aparato
policial, partidos políticos, sindicatos, etc) estavam aquém da rápida evolução
da dinâmica do processo (cf. Locatelli, 2013; Ortellado et al., 2013). As
alterações no preço do petróleo resultantes de instabilidades geopolíticas no
Oriente Médio também são exemplos de volatilidades para empresas no mundo
inteiro. É importante ressaltar que a volatilidade não é resultante da
complexidade da situação, da imprevisibilidade de resultados ou da ausência
crucial de informação, mas sim de uma dinâmica ambiental que evolui rápido e
imprevisivelmente. A maneira mais adequada para lidar com essa situação é as
organizações apresentarem respostas ágeis
que possam produzir uma diminuição da turbulência, possibilitando que os
executivos compreendam as ameaças e as oportunidades que lhe são inerentes a
fim de criar flexibilidades táticas visando reorganizações estratégicas
futuras. Em suma, agilidade e flexibilidade organizacionais durante o processo
decisório são a chave para enfrentar um ambiente de negócios volátil.
● A incerteza
se relaciona com uma situação com a qual não há conhecimento suficiente ou
disponível não apenas em termos de sua causalidade, mas também de seu
significado. O gap de conhecimento
experimentado pela organização em uma situação de incerteza a impele a
reduzi-lo a partir do crescimento do processo de coleta de dados e da
construção da informação a fim de proporcionar os executivos um entendimento do
contexto, mesmo que preliminar e precário, da situação a ser enfrentada. Neste
ponto, as ferramentas de inteligência de mercado são as mais indicadas para
lidar com eventos deste tipo: o robustecimento dos mecanismos de coleta de
informações com parceiros, clientes, especialistas e stakeholders; a construção de redes de gestão de conhecimento
visando o aumento da responsividade organizacional; o fortalecimento de
mecanismos de detecção de mudanças ambientais visando a construção de cenários
alternativos de decisão. Como exemplo, observa-se como a Mercedes-Benz vem
investindo fortemente na construção de redes de conhecimento, parcerias com
outras empresas e desenvolvimento de novas competências internas a fim de lidar
com o desafio dos carros autônomos fabricados por empresas com estratégias
notoriamente disruptivas como o Google e a Tesla (cf. Stecher, 2018).
● A complexidade
reflete uma situação onde muitas partes/atores/processos estão interconectados.
Um ambiente complexo não é um ambiente ambíguo, volátil ou incerto: é um
contexto onde a presença de muitos elementos torna difícil a identificação das
partes integrantes bem como a sua interação. Os problemas de políticas públicas
podem ser identificados como tendo tais características, uma vez que a produção
dos seus efeitos tem por resultados a articulação (na maioria das vezes
ineficiente) dos diversos atores, recursos e processos envolvidos. As
dificuldades do processo decisório no âmbito das políticas públicas envolvendo
tais situações refletem não apenas a escassez dos recursos disponíveis para
enfrenta-los, mas com muita frequência conflitos
de agência entre as partes envolvidas e interessadas que geram graves
consequências não apenas ao processo decisório, mas também na execução das
soluções propostas. Além da coleta de informações para melhor compreensão da
dinâmica da situação, organizações enfrentando situações de complexidade
inevitavelmente devem reorganizar seus processos internos e sua estrutura de
governança a fim de entregar melhores resultados para a sociedade. Os
escândalos recentes de corrupção nos setores de infraestrutura no Brasil são um
exemplo clássico de situações de complexidade, que exigem reformas nas empresas
tanto públicas quanto privadas que reflitam o novo quadro institucional de
atuação dos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em nosso
país.
● Por fim, a ambiguidade caracteriza situações novas onde as relações de causa e
efeito entre as forças ambientais não está suficientemente clara para a
previsão dos seus resultados. É uma situação típica de cenários de inovações disruptivas ou oceanos azuis, onde a novidade impede
uma previsão adequada dos resultados possíveis. De todos os componentes do
ambiente VICA, a ambiguidade é a mais desafiadora para as organizações e
executivos dado o alto grau de imprevisibilidade do cenários e dos seus
resultados futuros. No caso de situações ambíguas, a solução empregada deve ser
a experimentação organizacional. Atualmente, observa-se tal cenário no âmbito
dos negócios digitais representados pelo GAFA – acrônimo utilizado para
representar Google, Apple, Facebook e Amazon (cf. Galloway, 2017). Observa-se
com bastante frequência que essas gigantes costumam “entrar” em mercados não
apenas de outras empresas (música, jornais, automóveis, varejo, televisão), mas
também entre si mesmas gerando uma forte competição na busca de um modelo de
negócios de captura de valor que seja predominante no segmento. Isso explica o
imperativo da inovação para as organizações nos dias de hoje: o custo de não
buscar novas formas de criar, distribuir e captar valor é muito maior do que a
experimentação contínua de novos negócios.
Segundo Bennett & Lemoine (2014), o
caráter distintivo de cada elemento do VICA está na singularidade de cada
remédio. A solução de um não é eficaz quando aplicada no outro. Isso exige dos
executivos uma competência ímpar no diagnóstico e entendimento do cenário,
proporcionado por um olhar acurado para as caraterísticas da situação enfrentada
e do uso eficiente das informações coletadas pela inteligência de mercado. Por
outro lado, ao mesmo tempo que é raro que todos
os elementos do VICA estejam presentes em um cenário, a combinação de dois desses seja frequente, exigindo dos executivos
uma combinação das ferramentas de resolução propostas. Portanto, o diagnóstico
e a identificação das características do ambiente VICA é de fundamental
importância na solução dos seus desafios, exigindo dos executivos novas
competências e conhecimentos capazes para a proposição de visões de futuro que
reduzam o risco de perda de posição competitiva ou até mesmo extinção do seu
próprio negócio.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
BENNETT,
N. & LEMOINE, G.J. (2014). What a difference a word makes: Understanding
threats to performance in a VUCA world in: Business
Horizons, 57 (3), May 2014, 311 – 317.
FRANKE.
V. (2011). Decison-Making under Uncertainity: Using case studies for teaching
strategy in complex environments. Journal
of Military and Strategic Studies, vol. 13 (2), winter 2011, 1 – 21.
GALLOWAY,
S. (2017). The Four: The Hidden DNA of
Amazon, Apple, Facebook and Google. New York: Portfolio Press.
LOCATELLI,
P. (2013). #VemPraRua: As Revoltas de
junho pelo jovem repórter que recebeu passe livre para contar a história do
movimento. São Paulo: Companhia das Letras.
MACK,
O. & KHARE, A. (2011). Perspectives on VUCA World In: O. Mack et al. (eds).
Managing in a VUCA World.
Switzerland: Springer.
ORTELLADO,
P. et Al. (2013). Vinte Centavos:A luta
contra o aumento. São Paulo: Editora Veneta.
STECHER,N.
(2018). Mercedes-Benz´s plan for surviving the auto revolution. Wired, 30/04/2018. Recuperado em 01 de
maio de 2018, de https://www.wired.com/story/daimler-mercedes-case-wilko-stark-interview/?CNDID=30221171&mbid=nl_043018_daily_list1_p2
José Mauro Nunes é Doutor em Psicologia pela Puc-Rio e professor do Mestrado Executivo em Gestão Empresarial
(EBAPE/FGV), do curso de Altos Estudos em Inteligência Empresarial (IDE/FGV). É, ainda, professor Adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IFHT/UERJ) e consultor da Symballéin Consulting Company.
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