quarta-feira, 6 de junho de 2018

Do Planejamento ao Pensamento Estratégico: Visão e Ação em Cenários Turbulentos


Você sabe qual a empresa mais antiga do mundo, ainda ativa e operante?

Estudos do Bank of Korea apontam que a empresa de maior longevidade, localiza-se no Japão, atuando no setor de hotelaria , e que foi fundada no ano 705. É isso mesmo, que você leu: fundada no ano 705... da era cristã, portanto com mais de mil e trezentos  anos de existência.

Esta empresa não é um caso isolado, pois o estudo igualmente aponta algumas centenas de empresas com a mesma longevidade, perfeitamente adaptadas aos cenários de turbulências que vivemos todas elas competitivas em sus segmentos, totalmente integradas à Web 4.0 e correspondentes interações com as mídias sociais de relacionamento com seus stakeholders, apesar de manterem uma cultura de mais de um milênio e meio, por assim dizer. Imaginem o histórico da curva de experiência dessas empresas. 

O questionamento lógico que se faz neste momento é: 'quais seriam os fatores críticos de sucesso que este grupo de empresas desenvolveram ao longo de sua existência? O que estas empresas têm em comum e que as diferenciam de tantas outras que nascem, crescem e morrem, sendo que algumas nem chegam a cresce, e desaparecem rapidamente?

Sejam quais forem os fatores críticos de sucesso, podemos afirmar que a competividade do fator humano sempre esteve presente no histórico dessas empresas, na forma de: visão de futuro, liderança de equipes, comprometimento com os propósitos corporativos, e seguramente mediante uma forte capacidade de resiliência e coragem para enfrentar turbulências e desafios, o que resulta sem dúvida, na capacitação necessária para inovar e se reinventar constantemente.

Estas empresas têm muito a nos dizer sobre caminhos estratégicos vencedores, pois estes ingredientes de uma cultura organizacional milenar, é que fizeram com que elas chegassem até aqui, com força suficiente para continuar a crescer e a viver por mais mil anos, pelo menos.
    
O exemplo dessas empresas milenares sempre me vem á mente quando desenvolvo trabalhos de consultoria em Planejamento Estratégico, e guardada as devidas proporções, estou nesta atividade há mais de vinte anos.

As primeiras experiências em Planejamento Estratégico foram vividas ainda como executivo em uma multinacional, e poucos anos depois passei para o outro lado da mesa como consultor, no desenvolvimento e execução de inúmeros projetos semelhantes.

Daria para escrever um livro sobre o assunto, não exatamente sobre como desenvolver um Planejamento Estratégico, pois há uma série expressiva de publicações a respeito, mas para registrar as aspirações, propostas e visões, erros e acertos das empresas em relação ao futuro projetado por centenas de dirigentes e executivos, integrantes desses projetos.

Ao ler esta introdução você poderia supor, que após todo este tempo fazendo o mesmo exercício, eu estaria caindo na tentação da acomodação pela própria tendência da rotina, mas posso assegurar que a prática e vivência nesta atividade representam uma lição altamente importante de como não se acomodar, principalmente tendo como referencial o caso mencionado na introdução deste artigo

Se empresas milenares buscam a reinvenção e inovação constante, o que podemos esperar do planejamento estratégico das demais empresas?. A palavra de ordem é: “inove ou morra”.  Portanto, se há uma atividade em que tédio e monotonia não existem , é no desenvolvimento de um planejamento estratégico.

O planejamento estratégico na essência,  é o exercício de projetar o futuro de uma empresa, o futuro do investimento dos acionistas, enfim: é traçar o destino de todos aqueles que estão envolvidos e comprometidos com o negócio em análise.

Torna-se fascinante participar como facilitador em um trabalho de Planejamento Estratégico, e testemunhar as reações dos integrantes deste que é o evento de maior envolvimento coletivo em uma empresa, marcado muitas vezes por paixões, emoções, choque de opiniões e não raro diversas discordâncias, que se não bem monitoradas podem levar a situações complicadas.

È um momento em que afloram diversos sentimentos demonstrando que por mais cartesiano que seja o formato de um planejamento estratégico,  prevalecerá sempre o lado emocional, a necessidade do contraditório em busca da inovação e da renovação do negócio.

O formato de planejamento estratégico que conheci há vinte e poucos anos, guarda pouca relação ao que pratico  hoje junto aos meus clientes. O cenário de competição é outro. As  empresas mudaram o modo de enxergar o próprio negócio, as pessoas são vistas de outra maneira, seja no papel de colaborador, ou como cliente da empresa.

O fato é que a tecnologia aproximou as pessoas tanto na relação empresa – mercado, como na relação “one-to-one”.

O mundo hoje é muito mais relacional do que transacional, o que obriga a comunicarmos e interagirmos prevalecendo “o aqui e agora”, em termos de tomada de decisão, mas visando “o todo sempre” ou o “quem sabe, amanhã talvez”.

Este cenário até confirma a hipótese de que os ingredientes constantes dos fatores críticos de sucesso das empresas milenares são mais do que imprescindíveis no cenário de turbulência em que vivemos.

Estamos em um mundo multicolorido, predominado pela interação em tempo real e pela linguagem visual, onde a relacionamento realiza-se muito mais por meio de imagens do que pela palavra expressa em um documento,  em um e-mail ou outro referencial de uma realidade “em branco e preto”, cartesiana e determinista,  que moldava e ditava o conceito do planejamento estratégico praticado até então.

Não é por mera casualidade que as mulheres passaram a ter maior destaque dentro das empresas e nas posições de direção. Elas conseguem naturalmente pensar e agir com muito mais habilidade em um mundo marcado por esta nova realidade multifacetada de analisar, avaliar e tomar decisões muitas vezes baseadas exclusivamente na observação, no subjetivo ou na intuição já que não há bases para tomada de decisões inspiradas em certezas absolutas.

Do Planejamento Estratégico ao Pensamento Estratégico

Estamos falando da migração do Planejamento Estratégico ao Pensamento Estratégico, pois as certezas absolutas de um ambiente simples formado por situações claras, precisas e prováveis, deram lugar às incertezas típicas de um ambiente complexo em que não há mais previsibilidade entre ação e reação, graças às novas variáveis como:  a globalização, a velocidade das mudanças, a quebra de paradigmas advindo das inovações, em que  o absurdo passa a ser algo que nunca foi feito, até o momento em que aconteça.

Em um cenário totalmente imprevisível é necessário considerar “o que vemos e o que não conseguimos enxergar”. Em ambientes complexos é necessário perceber o contexto de causa e efeito, ao mesmo tempo o contexto do individual e do coletivo, da unidade e sua interação com o todo, como um caleidoscópio de multifacetas e de diversos arranjos, todos eles imprevisíveis.

No passado os cenários eram “mais ou menos estáveis” e as empresas eram vistas como sistemas auto-reguláveis, igual a um motor, que funciona de maneira uniforme e constante ,  mediante ajustes e correções periódicas.  Estes ajustes ocorriam com o uso das chamadas ferramentas de mudança, como: os “treinamentos” episódicos , workshops de sensibilização ,  e desta forma resolvia-se o problema de rota e direção.

Se as empresas fossem sistemas auto-reguláveis as ferramentas de mudança não proliferariam tanto e não sairiam tão facilmente de moda. Tal acontece porque elas atuam na superfície. Tratam os sintomas, não a doença.

No contexto atual as empresas são efetivamente componentes de um processo complexo e sistêmico interagindo com mercados que se comportam de maneira randômica, nunca de forma linear ou previsível.

É fundamental não confundir complexidade com complicação. Complicação significa prolixidade, desorganização, falta de entendimento, enquanto Complexidade quer dizer diversidade. É conviver com o imprevisível, com mudanças constantes e com conflitos. É ter de lidar com o contraditório, com o paradoxo e a aleatoriedade

Tudo isso mobilizando potenciais de criação  e transformação , o que nos leva a concluir que é inútil querer adotar soluções simples para sistemas complexos, e que é pouco prudente adotar soluções descontínuas, as supostamente “ferramentas radicais de mudança”, diante de processos contínuos e imprevisíveis. Os modismos passam, mas a realidade do mercado continua.

Portanto em um cenário de complexidade, o planejamento estratégico “per si” não levará a empresa a um destino feliz. È importante o internalização do pensamento estratégico, pois enquanto o planejamento é um processo de análise, a estratégia é um processo de criatividade com base em soluções inovadoras em um ambiente errático e sem padrão definido.

Pensar estrategicamente é enxergar a realidade por todos os ângulos possíveis, buscando soluções cada vez mais de tom inovador e que coloquem a empresa em uma posição de competitividade sustentável.

Em minhas palestras sobre o tema sempre comento que Competitividade: “é saber fazer algo que só você saiba fazer, e que represente valor a um grupo expressivo de clientes”. Por outro lado a estratégia necessária à geração da Competitividade deverá ser original, distintiva e dificilmente copiável pela concorrência, portanto concebida a partir de muita originalidade e inovação .  

Como fomos educados a pensar com base na lógica, percebo que muitos executivos tem ainda a falsa impressão de que quanto maior for o número de controles e fontes de consulta utilizadas, melhor será o trabalho do planejamento e melhores serão as estratégias, daí o fracasso do planejamento, pois tudo é definido baseado em dados estatísticos, relatórios financeiros e “previsões confiáveis”.

Este “engessamento” não dá espaço à criatividade, à intuição e não há abertura ao debate.

Procure analisar as empresas vencedoras que você conhece e perceberá que todas apresentam estratégias originais, distintivas e que seguramente foram geradas a partir dos mesmos fundamentos das empresas milenares mencionadas no início deste artigo.

Quando os relógios japoneses invadiram o mercado dominado pelos relojoeiros suíços, de nada adiantou aumentar a precisão dos relógios suíços. Com a criação do Skype as empresas de telefonia migraram para o negócio da TV a cabo, daí veio a NETFLIX e jogou por terra a estratégia das operadoras de telefonia, por exemplo.

Pensar estrategicamente é enxergar o invisível, o imponderável, o imprevisível.

Para tanto é necessário a formação de equipes de alto desempenho, constituídas por profissionais com conhecimento de causa, forte poder de observação e de curiosidade constante, adequadamente capacitados e comprometidos com o exercício do pensar diferente, e com o questionamento para a formulação de soluções inovadoras.
  
O Pensamento Estratégico não ocorre apenas por vontade, desejo ou necessidade. Pensar estrategicamente demanda muita prática, disciplina e método.

Enquanto o Planejamento Estratégico é formulado e revisado periodicamente, o Pensamento Estratégico deve ser praticado e exercitado todos os dias e por todos na organização, tanto na definição da estratégia corporativa, como e principalmente na execução da estratégia, ou seja: na reformulação de processos, na resolução de problemas e tomada de decisões, na forma de relacionamento com o mercado, por exemplo.

Assim agindo, a empresa sempre terá um Planejamento Estratégico afinado com os altos e baixos de um mercado cada vez mais competitivo.



Conclusivamente podemos resumir nossas observações sobre como desenvolver o Planejamento Estratégico através do Pensamento Estratégico em 10 princípios básicos:

1-     Defina claramente a Visão, Missão, Objetivos, Crenças e Valores.

Poucas empresas dão valor a estas definições, utilizando-as meramente como “efeitos cosméticos”. Em primeiro lugar estes fatores  precisam ser verdadeiros, realistas e praticáveis. Em segundo lugar só contrate pessoas que possuam o perfil compatível a essas definições.

2-     Envolva o maior número possível de colaboradores na formulação da estratégia, criando o comprometimento.

Compartilhe a visão de futuro e desenvolva a liderança participativa para que haja comprometimento de todos em relação aos propósitos corporativos e para a criação de uma forte capacidade de resiliência e coragem , frente às turbulências e desafios, que com certeza virão . Desta forma será criado um perfeito senso de capacidade para inovar e se reinventar, por exemplo.


3-  Pratique o Pensamento Estratégico na Avaliação das Estratégias

Se todos na empresa estão afinados principalmente com os Objetivos Estratégicos e Crenças e Valores, teremos um grupo de pessoas sintonizadas na mesma frequência, em busca de soluções inovadoras ,que poderão representar a “diferença que faz a diferença”.

Convide seus principais fornecedores, distribuidores e principais clientes a participar destes exercícios e no compartilhamento de visões e abordagens  . O resultado será surpreendente.

4-     Permita que as pessoas expressem livremente suas opiniões e percepções 

Lembre-se que a solução de um problema complexo jamais será encontrada no mesmo nível de consciência que o criou, e aqui estamos tratando de complexidade “stritu censo”, portanto nada é absurdo neste exercício. Se há conhecimento de causa, alto poder de observação, curiosidade constante, é lícito que as pessoas se sintam à vontade para expressar suas opiniões e visões sobre os fatos.   

5-     Obtenha o Compromisso Coletivo com o Resultado

Estamos tratando do futuro da empresa e do futuro de todos. È necessário, portanto haver o senso de comprometimento coletivo com os resultados. Se positivos todos participam das glórias e benefícios. Se negativos todos arcam com o ônus. Ninguém acreditará em retóricas ou teorias de mudanças se não houver comprometimento para valer.

6-     Identifique e Incentive as Lideranças

Se a ideia é a migração para o Pensamento o Estratégico, será natural que neste exercício  despontem as lideranças dentro dos grupos.

Ambientes de alta turbulência exigem estratégias inovadoras e que implicarão muitas vezes em mudanças expressivas. Só os verdadeiros líderes é que poderão conduzir a empresa aos novos caminhos.

7-     Elimine o excesso de Peso e feche o Foco na execução da Estratégia 

Há uma regra básica em gestão indicando que para ganhar é preciso deixar para trás tudo aquilo que não está relacionado com a Estratégia.

Na medida em que as mudanças exigirem novas posturas estratégicas você terá que rever processos, rever a estrutura organizacional e principalmente ter pessoas realmente alinhadas às novas competências requeridas pela Estratégia. Tudo mais é dispensável e deve ser eliminado.  

8-     Ponha imediatamente em prática sua Estratégia

Não se apresse em decidir se não estiver convencido de que sua empresa tenha chegado a melhor Estratégia possível.

Estude com cuidado todas as variáveis em jogo, tanto visíveis e principalmente as não visíveis. Entretanto em um cenário de mudanças constantes é necessário colocar as Estratégias em prática tão logo estejam claramente definidas. O “timing” em Planejamento Estratégico é fundamental.

9-     Crie medidores de desempenho

Tudo aquilo que não conseguimos medir, não conseguiremos controlar. Portanto você vai precisar de medidores muito precisos e eficazes, até para que haja certo “descontrole administrável”, pois “ em um cenário caótico se você tiver controle total da situação ” é sinal que você não estará andando suficientemente rápido”  .  

10 - Prepare-se para mudar tudo no dia seguinte    

Se o mercado é dinâmico e mutável  você  precisará estar pronto para alterar tudo novamente em função da mudanças de cenários, mudança de padrão de reação dos concorrentes e principalmente em função de seus próprios erros.  que com certeza acontecerão.




Luiz Roberto Carnier – Mestre pela Pacific Southern University, Palestrante Internacional, Empresário, Professor da FGV e Escritor na área de Gestão Corporativa. Contatos : WWW.CARNIER.COM


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