A expectativa de disrupção
de setores é um tema que atrai de forma demasiada os estudiosos, a sociedade e
mesmo investidores interessados na possibilidade de criar novos modos de viver, conviver e até sobreviver, desde que gerem benefícios para quem o oferece e para quem precisa dos mesmos.
Assim, nos últimos anos
vimos o surgimento de um grande número de empresas voltadas para a inovação
disruptiva, ou seja, pensando de forma a ficarem em linha com os desejos,
necessidades e mesmo anseios dos clientes, cada vez mais exigentes, antenados,
impacientes e imediatistas. A fórmula utilizada durante vários anos de
“facelift”, ou seja, de melhoria incremental dos produtos, não se sustenta mais
para perpetuar as empresas. A disrupção gera vantagens competitivas para os negócios que dela se aproveitarão para a criação de novos hábitos e costumes para a sociedade como um todo.
Um segmento industrial que
vem gerando estudos, pesquisas, questionamentos e mesmo grandes investimentos é
o setor automobilístico mundial e suas possíveis transformações em relação
aquilo que o mundo vem vivenciando desde o seu surgimento no século XIX.
Apesar das enormes
incertezas que ainda cercam as áreas regulatórias, de criação de redes de
abastecimento, da produção e da reciclagem de baterias, os veículos autônomos e
os elétricos são aqueles que geram a maior atratividade e interesse por aqueles
que lidam, trabalham ou que possuem fascínio pelo conhecimento ou pela
curiosidade. Estes 2 (dois) fatores deram margem ao surgimento da indústria da
mobilidade, como os tradicionais fabricantes mundiais começaram a se posicionar
perante seus clientes.
A vantagem hoje apregoada
para a autonomia plena de veículos é a redução drástica dos erros humanos,
principal causa de mortes em acidentes veiculares, enquanto os veículos
elétricos se justificam pela diminuição de emissão de poluentes, 2 (dois) dos
principais focos de melhorias mundiais do IDH - Índice de Desenvolvimento
Humano. Adicionalmente, com veículos autônomos, poderemos ter 3 (três) vezes
mais carros em circulação no mesmo espaço, segundo estudos mundiais
desenvolvidos, além da liberação de áreas de estacionamento.
Quanto as baterias de
lítio, existem perspectivas de uma concorrência com as células de combustível
com hidrogênio, que também exigem pesados investimentos em centros de
distribuição.
Para se ter uma idéia do
que poderão representar essas mudanças, os veículos autônomos plenos demandaram
investimentos nos últimos 3 (três) anos de cerca de US$80,0 bilhões, segundo
estudos realizados pelo “Brookings Institution" (grupo de pesquisa norte-americanos fundado em 1916).
No que concerne a veículos
elétricos, somente uma das maiores montadoras mundiais deverá investir US$86,0
bilhões até 2022, segundo comunicado oficial recente do respectivo “Board”. Por
outro lado, os veículos produzidos pela Tesla, tradicional fabricante mundial
de carros elétricos, que com uma única unidade industrial conseguiu superar em valor
de mercado bursátil diversos fabricantes com fábricas espalhadas pelo mundo,
vem sendo objeto de sonho de consumo através de testes por executivos ou mesmo
por aqueles que realizam turismo em várias cidades mundiais.
Tendo em vista a
representatividade do setor automobilístico para os inúmeros Países em que se
faz presente através de plataformas industriais, bem como o patamar
significativo dos valores envolvidos em pesquisa e desenvolvimento para o
alcance dos 2 (dois) maiores desafios para o setor que se acham destacados
acima, torna-se mister destacar em que contexto tais mudanças deverão acontecer
e as situações que se apresentam no mundo atual para que o sucesso almejado
possa ser efetivamente alcançado.
Aspectos Estratégicos: A indústria automobilística possui uma tradição
na fabricação de automóveis, mas que frente ao problema mundial reinante de
mobilidade, tende a focar sua atuação nos próximos anos na prestação de
serviços, que devem elevar a sua representatividade na receita total das
montadoras de pouco mais de 1% para 25% até 2025, segundo estudos de
consultorias internacionais.
Cada vez mais a sociedade
perde o senso de propriedade de veículos para focar na mobilidade necessária,
onde um exímio prestador de serviço será uma peça indispensável no contexto.
Não é a toa que a grande maioria das montadoras mundiais desenvolvem parcerias com
outras companhias ou mesmo incorporam em suas atividades o papel de prestador
de serviços de mobilidade.
Projetos de novos veículos
representam hoje investimentos da ordem de US$1,0 bilhão, produtos estes que possuem
uma durabilidade aproximada de 12 a 14 anos e apresentam uma margem de
lucratividade média na área automobilística compreendida entre 5 e 8% da
receita.
Repara-se que os serviços,
que em sua grande maioria se originam do aumento da conectividade de veículos, decorrem
basicamente da transformação digital indispensável a todas as empresas atuantes
no setor. Serviços possuem ciclo de vida bem curto e lucratividade da ordem de
45% da receita.
Aspectos Organizacionais: A mudança de uma cultura empresarial centenária
voltada para produtos e passando a focar em serviços demanda tempo e muitos
sacrifícios, significando a necessidade de uma transformação brutal. A visão de
negócios presente em todos os momentos, a necessidade de agilizar decisões,
desenvolvimentos contínuos de seus executivos objetivando possuir um maior
número de talentos e a busca de menos formalidades representam os maiores
desafios para que a empresas deste setor tornem-se maduras no processo digital.
Para adaptar esta nova
cultura indispensável para a sobrevivência das empresas, verificam-se hoje no
Brasil esforços de montadoras no sentido de formar jovens executivos
brasileiros para atuação como CEO’s nas subsidiárias brasileiras,
posicionamento este que reverte situações do passado em somente trazer
profissionais do exterior para as posições de comando maior das organizações.
Aspectos Tecnológicos: As grandes transformações visualizadas objetivam
fazer com que os veículos atuem como um celular sobre rodas, passando a
representar mais um meio de convivência, complementando a residência e o
ambiente de trabalho. No futuro, o carro conectará os espaços de casa e do trabalho,
tornando-se uma parte essencial da nossa vida diária, em vez de simplesmente um
meio de chegar de A a B, sendo também mais uma opção de
mobilidade.
Pode-se imaginar que os serviços a serem oferecidos
pelos veículos tendem a se tornar o foco de atratividade dos clientes.
Entender o caminho para o futuro fará parte da
sobrevivência das empresas deste setor, precisando “adivinhar” quando acontece
a demanda, acarretando investimentos bem e mal sucedidos, com a exigência de um
retorno financeiro satisfatório para remunerar seus acionistas.
Aspectos Mercadológicos: Não
obstante as dificuldades relatadas, os consumidores a cada dia exigem inovações
em menor espaço de tempo, principalmente de conectividade, design e motorização
mais sustentável (menor consumo e poluição), requerendo para isso, maior
conhecimento do perfil de consumo de seus clientes e a realização de maiores
volumes de investimento para atenderem as suas expectativas.
Estudos internacionais mostram que o surgimento dos carros autônomos deverá
gerar uma expectativa de redução de 40% do mercado automotivo na Europa,
Estados Unidos e China até 2040, fato este que irá provocar um substancial
aumento de concorrência entre as empresas do setor, que contarão também com a
participação de concorrentes como Apple e Google.
Aspectos Financeiros: É imprescindível para as empresas atuantes no setor buscarem maiores
valorações em seus negócios, de tal forma a obterem o capital financeiro
indispensável para a sobrevivência neste mercado. Cabe salientar que os “newcomers”
Google e Apple já desfrutam de uma cultura digital indispensável para o setor,
além de uma maior rentabilidade de seus negócios, fatores estes que devem gerar
para as mesmas um grau elevado de competitividade, caso confirmem sua
penetração no citado mercado.
Não há como desprezar que fusões, associações, parcerias,
alianças operacionais e/ ou estratégicas, inclusive aquelas entre montadoras já
existentes para o desenvolvimento de motores, representarão ações indispensáveis
para um setor que passará por grandes mudanças em seus pilares estratégicos,
organizacionais, tecnológicos, mercadológicos e financeiros.
Redução no número de ofertantes neste mercado deverá
ser uma realidade que a cada dia mais se aproxima, de tal forma a permanecerem as
empresas que apresentem a melhor relação custo benefício para seus
consumidores.
Cabe ainda ressaltar que há alguns anos atrás
algumas consultorias internacionais já apregoavam como necessárias as mudanças
estruturais em um mercado em ampla transformação como o automotivo.
Cumpre registrar que alterações desta natureza já
aconteceram em segmentos industriais como o de celulares e de televisores
digitais, com o desaparecimento de fabricantes tradicionais como Nokia, Ericsson,
Sony e Philips, dando margem ao surgimento ou fortalecimento de outros que
passaram a oferecer maiores vantagens competitivas em seus mercados de atuação.
Assim sendo, não temos como deixar de lembrar a
expressão que a mídia busca desenhar para o futuro do nosso País, trazendo para
a nossa mente: “QUE SETOR AUTOMOTIVO
TEREMOS NO FUTURO”
Antônio
Jorge Martins
Coordenador Acadêmico na FGV de Cursos
Automotivos
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