quarta-feira, 26 de setembro de 2018

É aí que a porca torce o rabo

O mundo gira e a maioria não aprendeu que, na crise ou para não tê-la, risco identificado não é exagero, plano de ação não é apenas mais um book junto com as políticas, tempo é muuuuito dinheiro, externalidade amplia a percepção negativa e empresas deveriam agir.

Recentemente, fiquei, mais uma vez, indignada de como as organizações ainda lidam mal com suas crises. Houve um vazamento no mineroduto da Angloamerican em Minas Gerais. A resposta da empresa: o minério derramado no córrego (ou seja, que deságua em um rio) não é maléfico à saúde e que estava tomando as devidas providências (ponto final literalmente). 

Outro episódio foi de uma arrogância um pouco maior, o do Facebook e o roubo de dados de 50 milhões de usuários da rede nos EUA. A empresa da economia digital, pasmei, demorou 5 dias para começar a se posicionar. Nem entrarei nos detalhes da história porque ainda está fresquinha e todos sabem.


A terceira, e última apenas aqui neste post, é a da Hydro, no Pará. Um caso grave, mas que ficou mais abafado porque a companhia não tem o apelo midiático de um Facebook que perdeu bilhões em valor da empresa (que vale míseros 490 e poucos bilhões de dólares) de uma noite para o dia. 

Parece que esse tema, crise, é batido demais para falarmos dele. Contudo, por detrás dele há fatores de relevância tanto para nós, profissionais de comunicação e Relações Públicas, para a sociedade, como para os líderes de empresas em todo o mundo. 

Um dos fatores é a dificuldade que as pessoas, principalmente os que estão em cargos de liderança, têm de mapear os verdadeiros riscos e elaborarem planos de contingência e gerenciamento consistentes. Tenho cenas maravilhosas na minha memória em gerenciamentos de crise, assim como em workshops de mapeamento de riscos, que fiz, nos quais executivos de toda sorte tentam identificar, de forma subjetiva, as possibilidades de acontecimento de um risco. Vamos ao ponto. Exemplo clássico: o setor de mineração. A empresa pode ser benchmark, mas não muda o fato de que uma barragem de rejeito, por exemplo, era feita de líquidos, areia etc. Material com alto potencial de, simplesmente, desmanchar. Isso é um fato (ponto final). Não há subjetividade nele. Outras lembranças são de falas como as de que nós, comunicadores, somos muito “alarmistas” ou até, coitados, “pessimistas”. Essa é bacana, mas nem merece comentário. Senhores líderes, a regra é simples: problemas acontecem, mas devemos assumir a sua gravidade, ter a retidão de tomar providências rápidas, dar satisfação aos nossos stakeholders com proatividade e buscar soluções para que não ocorram mais. O pior é que as empresas gastam rios de dinheiro com programas de governança, de compliance, de comunicação etc. Será que, em plena véspera do ano 2020, ainda estamos apenas cumprindo protocolos? Prefiro acreditar que teremos tele transporte ainda neste ano.

Outro ponto relevante é o fato de que alguns fatores de externalidade são cruciais para a percepção do tamanho do problema. Por exemplo, no caso da Angloamerican, o papa pode beber a água do córrego que nada tirará da cabeça de um ser normal mediano (nem precisa ser muito letrado) de que a água está misturada com algo que não bebemos normalmente, um metal.


Não se trata de a dosagem ser pífia, de comprovadamente fazer ou não mal à saúde. Verdade ou mentira, a externalidade amplia a visão do “mal” e minimiza a razão da ciência. Outro exemplo é o vapor de água que sai das chaminés de indústrias. Durante o dia ninguém vê. À noite, vira poluição. Até provar que focinho de porco não é tomada, tadinho do porquinho. 


O terceiro, não menos importante e que é consequência de as empresas aceitarem o risco identificado como verdadeiro e possível de acontecer (não apenas coisa de alarmista), é dizer o que ESTÁ FAZENDO para reverter a situação. Não dá para dizer mais que tomará as devidas providências. Quais providências são essas, cara pálida? Quando serão tomadas? Quais mitigações conseguem fazer? Qual o risco que ainda prevalecerá? Etc. etc. etc. 

E, por favor, não confundam essas atitudes com problema do comunicador da empresa ou da consultoria de comunicação contratada. Nessa hora, somos votos vencidos pelo resto do board que acha que ainda dá para não se pronunciar em detalhes porque “é muito arriscado”. O problema é que o jornal de hoje não embrulha mais o peixe da feira de amanhã. O jornal de hoje está eternizado no Google, quer queiramos ou não.  






Fabiana Pinheiro é professora, mestre em Administração pela PUC-SP. Executiva e consultora de Comunicação Corporativa e Relações Públicas