terça-feira, 22 de julho de 2014

Artigo


Educação: A alternativa neo-conservadora ou a Flexibilidade de Fato? 
a abstração e a física newtoniana


 “Não há flexibilidade no vácuo. Para que um corpo seja flexível,
é necessário que haja, ao menos, um ponto de atuação de força”

Revendo a farta bibliografia sobre a neo-reforma educacional, vamos verificar que esta ótica de pensamento afirmar que em educação as opções técnicas são as únicas garantias de que os interesses universais, demandados pela sociedade serão atendidos. Para tanto, é necessário o isolamento do centro de decisão sobre as metas educacionais – aspectos apregoados nos Pareceres do CNE em nome da autonomia universitária – dos grupos politicamente organizados, por mais representativos e populares que possam ser.

O CNE parece seguir o discurso teórico que sugere uma desideologização da educação, a qual se fundaria em novos compromissos baseados nos princípios da sociedade do conhecimento, qualidade total, educação para a competitividade, formação abstrata e polivalente e outras tantas categorias que, ao fim e ao cabo, segundo essas opiniões, dizem respeito à modernização educacional, indispensável nos dias atuais.

Não sem sentido, portanto, encontram-se na bibliografia sobre o tema assertivas como: “Diante desse cenário, a educação é convocada, talvez prioritariamente, para expressar uma nova relação entre desenvolvimento e democracia como um dos fatores que podem contribuir para associar o crescimento econômico à melhoria da qualidade de vida e à consolidação dos valores democráticos”[1]. Nesses termos, a educação seria o elo de ligação entre o  desenvolvimento  humano e a modernização  pretendida, não sendo factível qualquer forma de intervenção, quer de movimentos sociais, quer de tradicionais estruturas de organização política ou de categorias profissionais, já que essas levaram, no passado, a um quadro educacional caótico e impediriam, no presente, meios autônomos que atuem sobre a escola institucionalizada, através da competição.

Em outras palavras, as teses neoliberais na educação partem da hipótese de que a equidade e a própria democracia dependem da ordem econômica de mercado e que a ação de qualquer espécie de ator (partidos políticos, corporações, ONG’S, e mesmo intelectuais), por práticas doutrinárias e pedagógicas estreitas, é empecilho para uma reforma consistente do meio educacional.

Contudo, não se pode cometer o erro (aliás injusto) de reduzir os Pareceres do CNE a uma reprodução retórica destes argumentos teóricos. Pois o teor dos textos apresentados, para além de conceitos pré-definidos, reconhece a transitoriedade das transformações e a necessidade de conciliação entre o mundo desejável e as possibilidades do mundo vivenciado,  habilmente deslocando o foco do conflito entre desejável e vivenciado e o localizando na incapacidade de se entender a mudança. Dito de outra forma aponta para uma “crise institucional” na educação superior que se funda na incapacidade das instituições envolvidas em reconhecer e aceitar o contexto das mutações da ordem social.

Não sem motivo ao discorrer, por exemplo, sobre o “Legado e o Percurso Institucional”, o CNE evidencia que a experiência histórica da formação educacional e profissional no Brasil é marcada por relações entre Universidade e Corporações orientadas sob a égide da tutela na qual a Lei sempre aparece ou sobre a forma do privilégio ou da repressão o que garantiu uma matriz clientelista ou se preferirmos “corporativa nacional, não diversa, senão indivisível”[2], aduzindo que tal orientação não tem mais espaço na “nova época”, sendo, por conseguinte, não-natural e refutável.

É evidente que um primeiro esforço para nos auxiliar a formular contraposições aos Pareceres do CNE seria a de invocar os críticos ao neoliberalismo na educação[3], apontar com embasamento teórico, por exemplo, os riscos da adoção indiscriminada de princípios neoliberais de flexibilidade e de pequena duração de cursos. Contudo, devemos reconhecer que a literatura publicada nesse sentido, e vale observar, bastante ampla, não é, ainda, capaz de apresentar ou formular nenhuma proposta que se anteponha efetivamente às teses sugeridas pelos novos conservadores, sendo que tais autores não conseguem avançar para muito além da denúncia.

Por óbvio algumas concepções de cunho teórico, devem ser incorporadas ao debate, como por exemplo os enfoques do neocapital humano enunciados pelo Prof. Gaudêncio Frigotto[4] numa esplendida evolução e continuação de seu livro de 1989. Entretanto, aqui também, a par da recusa consubstanciada de que a reestruturação capitalista e os desdobramentos da sociedade pós-industrial imporiam, inexoravelmente, um sistema educacional de cunho liberal, não se alcança nada além da crítica à validade de políticas neoliberais no plano educacional.

Nesses termos – aceitando a armadilha – só nos resta a alternativa de compreendermos a mudança, para somente então discutirmos os novos paradigmas? Estamos, de fato, como propõe os Pareceres do CNE, diante da inevitável situação de visualizar os “caminhos da modernidade e da flexibilização, a luz das transformações em processo”?

Em outras palavras devemos aceitar a abstração de cursos etéreos que não preparam os indivíduos para uma formação sólida e holística e fingir que estamos habilitando profissionais para o mundo do trabalho que não permanecerá estável ou devemos aceitar os preceitos da física newtoniana e encontrar pontos de atuação de força que não empeçam e garantam a flexibilidade necessária do profissional exigido pelo mundo do trabalho, mas que acima de tudo que garantam uma formação teórica sólida e consistente que permita aos profissionais da área de exatas que se ajustem de maneira sólida e rigorosa a todas as transformações tecnológica que possam, e certamente advirão no futuro.   

Ronaldo Rangel é professor da Escola Paulista de Negócios















[1] Mello, G. Cidadania e Competitividade - desafios educacionais do terceiro milênio. São Paulo, Ed. Cortez.
[2] Parecer 108/2003 do Conselho Nacional de Educação
[3] Sugerimos a leitura de diversos autores, dentre os quais: Przeworski, Marcio da Costa e Paolo Mosella, e em especial o livro organizado por Pablo Gentili, Pedagogia da Exclusão - Critica ao neoliberalismo em educação, Petrópolis, Ed. Vozes.
[4] Ver: FRIGOTTO,G Educação e a Crise do Capitalismo Real, Cortes Editora.

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