Desde o último dia 22 de
março, retornou ao debate social e político a tramitação do Projeto de Lei
4302/1998 que dispões sobre a relação de trabalho temporário, alterando a Lei
6.019/74, além de versar sobre a terceirização de mão de obra.
O Projeto de Lei teve seu
texto final aprovado pela Câmara dos Deputados e foi enviado à sanção presidencial,
conforme determina o Processo Legislativo previsto pela Constituição Federal.
Esta é a primeira
informação importante. O Projeto de Lei ainda não virou Lei!
Observem, portanto, que
não entrou em vigor e que suas disposições ainda não podem ser aplicadas. Para
isso, ainda é necessário que o texto seja sancionado pelo Presidente da
República.
Ora, mas por que razão o
Projeto de Lei gera tanta polêmica? Ele traz algum prejuízo aos empregados? É
bom para os empregadores? Os empregados perderão todos os direitos previstos
pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
como o FGTS, INSS, férias, 13° salário, entre outros?
Essas são perguntas e,
algumas vezes, afirmações que têm circulado nos meios de debate político, mesas
de bares, redes sociais, transporte público e em cada local desse País. Ocorre que,
nem sempre, os argumentos de discussão encontram base sólida.
Sendo assim, é importante
esclarecer alguns aspectos que podem nos ajudar a enriquecer o debate e
chegarmos a uma conclusão fundamentada.
O Projeto de Lei trata de
duas temáticas principais, quais sejam, trabalho temporário e terceirização da
mão de obra e, embora a questão mais polêmica gire em torno da terceirização, a
maior quantidade de mudanças se deu em relação ao trabalho temporário.
Trabalho temporário - O
que muda?
As alterações nas regras
de trabalho temporário previstas pelo projeto de Lei flexibilizam consideravelmente
a contratação desta modalidade de serviço especificamente, inclusive
estabelecendo que a contratação pode se dar para atividade-meio ou
atividade-fim da empresa.
Também diminuem os
requisitos para funcionamento e registro das empresas no Ministério do
Trabalho. A partir do momento em que o projeto for sancionado, não será mais
exigida, por exemplo, comprovação de regularidade de recolhimento do INSS, o
que nos dá a impressão de que a segurança do empregado será atingida.
Considerando que as empresas terão menor dificuldade em se registrar e sendo
menor a fiscalização, maior será o risco de que descumpram suas obrigações
contratuais.
Ademais, a dilação do
prazo para celebração de contratos de trabalho temporário nos pareceu
esdrúxula. Observe que, atualmente, o prazo máximo de contratação é de noventa dias,
prorrogáveis por igual período, ou seja, o período total do contrato não pode ultrapassar
de seis meses. Com as alterações trazidas pelo Projeto de Lei, o prazo máximo de
contrato, incluindo a prorrogação, passou para nove meses.
Importante frisar que esse
período de nove meses poderá ser alterado por acordo ou convenção coletiva. Questiona-se
então se o projeto de lei abriu brechas para que esse período possa ser ainda mais
estendido. Então, qual o prazo máximo, afinal? Por acordo ou convenção coletiva
poder-se-á estender o prazo por período indefinido ou muito maior que nove
meses?
Some-se a isto, o fato de
que após noventa dias do encerramento do contrato, o mesmo trabalhador poderá
ser recontratado por um novo período e pela mesma empresa. Tem-se ainda que o
descumprimento deste prazo, ou seja, uma nova contratação em período anterior a
noventa dias, não caracteriza vínculo empregatício com a empresa tomadora.
Questiona-se então, por
que razão estabelecer prazos para duração e contratação do trabalho temporário,
se a própria Lei garante o descumprimento e flexibilização destes prazos.
O projeto de Lei
estabelece expressamente que a responsabilidade da contratante pelo descumprimento
das obrigações trabalhistas é subsidiária. Ocorre que também neste aspecto há
um problema.
Isto porque, o texto atual
da Lei 6019/74 informa em seu artigo 16 que em caso de falência, a empresa
tomadora é responsável solidária pelas obrigações trabalhistas do período em
que se utilizou da mão de obra temporária. Ocorre que o artigo 16 não foi
alterado ou revogado pelo projeto de Lei. Assim, surge mais um questionamento.
Afinal a responsabilidade da tomadora será solidária ou subsidiária? Será solidária
apenas em casos de falência?
Atualmente os Tribunais já
entendem que a responsabilidade é subsidiária, mas porque então não revogar
referido artigo?
Terceirização - O que
muda?
No que tange ao trabalho
terceirizado, atualmente, não há qualquer legislação específica sobre o tema.
Por muitos anos, a jurisprudência dos Tribunais decidiu sobre a questão da
terceirização fazendo vezes de legislador, porque o fato social assim exigiu.
Queremos dizer então, que o trabalho terceirizado já era uma realidade imposta,
mas que havia sido acompanhada pela Lei.
Em sua maioria, as
decisões emanadas da Justiça do Trabalho verificavam validade à terceirização daquelas
atividades compreendidas como atividades-meio, ou seja, atividades que não se
referiam ao objeto do negócio. Na maioria das vezes, exemplificadas como
serviços de limpeza, vigilância e serviços especializados. (súmula 331,III do
TST)
O que vem sendo amplamente
divulgado pela mídia é que o projeto de lei, diferentemente do que vem
decidindo os Tribunais, autorizaria a terceirização de atividade-fim das
empresas.
Ocorre que o texto do
projeto de lei não menciona quais as atividades poderiam ser terceirizadas. Foi
exatamente isso o que você leu! Não há sequer uma palavra do projeto de lei que
autorize terceirização de atividade-fim.
Assim, continua a existir uma lacuna na
legislação em relação à matéria. Caberia ao Judiciário aplicar seu entendimento
à legislação ao julgar as demandas que versem sobre o tema.
Da mesma forma, não há no
texto do projeto de Lei uma palavra sequer sobre a possibilidade de
terceirização de serviço público, em sentido oposto ao que vem sendo divulgado.
Mais uma vez, haveria um embate jurídico sobre o tema e sua
constitucionalidade.
Ou seja, o projeto de lei,
se sancionado, reconheceria a existência do trabalho terceirizado, mas não
resolveria as principais questões que envolvem o tema. Subsistiria a
necessidade de intervenção do Poder Judiciário para aplicar a Lei ao fato
social. Desta forma, tudo permaneceria exatamente como está.
Qual a real necessidade a
provação de um projeto de lei se este não se aplica ao fim que se destina? Sendo
assim, o quadro é de enorme insegurança jurídica, vez que sem uma destinação
efetiva da norma cada empresa agirá conforme seu entendimento, o que escoará em
uma avalanche de novas demandas judiciais.
O projeto de Lei 4302/98 é
mal elaborado e gera enormes prejuízos aos empregados, não apenas pela figura
da terceirização e pela flexibilização do trabalho temporário, mas por não
garantir qualquer efetividade ao seu texto.
A efetividade da norma não
será atingida, mais uma vez.
Como dito anteriormente, a
matéria vai à sanção presidencial, e espera-se que seja vetada integralmente,
não pelas figuras que pretende aprovar, mas por não atingir qualquer objetivo.
Quem sabe assim, num
futuro próximo, poderemos elaborar outro artigo explicando àquelas perguntas
que fizemos no início dessa discussão.
[O projeto de lei traz algum
prejuízo aos empregados? É bom para os empregadores? Os empregados perderão
todos os direitos previstos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como o FGTS, INSS, férias, 13°
salário, entre outros?]
No momento, infelizmente,
não podemos responder porque o projeto de lei que se pretende ver aprovado não
nos oferece esclarecimentos e respostas.
Pensando bem, talvez seja
este o objetivo do legislador. Confundir para conquistar.
Profa. Nathália Alonso Raemy
Rangel